Jackpot de Départ

Uma panorâmica de Monte Carlo


A obra máxima de Charles Garnier estava em frente de meus olhos. O arquiteto não economizou detalhes ao desenhar o cassino que seria sinônimo do gênero por toda a eternidade. Em cada afresco  do estilo Belle Époque olhos já lançaram juras de maldição e lábios soltaram beijos de gratidão. Naquele átrio a fortuna e a miséria andavam de mãos dadas, uma correndo atrás da outra.
Adentrei a sala de jogos onde o clássico e o moderno encontravam seu equilíbrio no requinte. Fui saudado por uma jovem linda e elegante, que polidamente me ofereceu um cartão de fidelidade. Fiquei alguns minutos perdido no azul daquele olhar enquanto sua voz suave me explicava cada vantagem do 777 - The Slot Privilège card. Olhos azuis. Como os de Josh, o garoto portava o azul do mar profundo, mesmo estando em um deserto. A garota sorriu, e o sorriso de Josh veio à sua mente, quanto tempo ficara perdido naquele sorriso de criança, um sorriso que era só amor para ele.
Não, não estava interessado em cartões de fidelidade. Era o último dia que pisaria em Monte Carlo, não precisaria de descontos. — Bem, senhor, por onde deseja começar, temos toda a variedade de jogos de mesa, como a clássica roleta europeia, o charmoso Trente & Quarente,  a roleta inglesa, bacará e sua variação Chemin de Fer, Punto Banco, 21 e dados. Basta escolher em qual o senhor deseja tentar a sorte. — Sentindo que não despertara meu interesse por nada ela tentou outra abordagem: — Também temos mais de mil máquinas caça-niqueis, o senhor aprecia essas máquinas?
Susan era capaz de passar horas em frente das máquinas, e cada vez que as fichas desciam pelo metal rodopiando e gritando cling-cling, ela ficava eufórica. — Você viu? Você viu? Ganhei! Ganhei! Olhe as moedinhas! — gritava excitada, saltitando e sorrindo. E no cruzeiro, em que ganharam mais de cem mil, em moedas de vinte e cinco centavos. As fichas caíam feito loucas, e era difícil segurá-las, os baldinhos se enchendo em questão de segundos, e ante a alegria de Susan, eu corria para buscar mais baldinhos que ficavam lotados e foram formando uma fileira de potes. Nossa fileira de potes de ouro! — ela não se cansava de repetir, esfuziante.
— Qual você prefere, Anna? — eu perguntei olhando para o crachá em seu peito.
— A sorte pode ser benfazeja em qualquer uma de nossas mesas de jogo, tanto quanto nas máquinas.
— Mas se você tivesse que dar uma opinião pessoal?
Ela balançou a cabeça:
— Eu diria que os cidadãos de Monte Carlo estão proibidos de jogar, na verdade eu só posso entrar aqui porque trabalho para Société des Bains de Mer, que administra o cassino.
— Hum... não fazia ideia. Caça-niqueis você disse?
— Sim, venha comigo, senhor?
— Anderson.
— Pois bem, senhor Anderson, venha por aqui — ela me disse, me escoltando pelo elegante salão, onde ao redor de mesas onde funcionários elegantes e bem educados atendiam os seletos apostadores do Monte Carlo Cassino. — O cassino conta com mais de mil máquinas caça-niqueis, na verdade, a maior coleção delas na Europa. Nós temos máquinas exclusivas na Europa, e até mesmo algumas exclusivas no mundo. Hoje mesmo temos a inauguração das novas máquinas “Guerra nas Estrelas”.
Logo chegamos até a sensação do dia, as novas máquinas Guerra nas Estrelas, as brancas dos Stormtroopers, as brilhantes do comando de clones e as pretas onde o temível Darth Vader encarava os apostadores. Ela me mostrou os corredores onde estavam aquela multidão de máquinas e então voltou à sua posição na porta. Eu não podia imaginar que o espaço dentro daquele prédio do século XIX pudesse comportar tantas máquinas.
Josh gostava tanto dos desenhos animados sobre o comando clone, passava horas vendo e revendo. Eu lhe dei o jogo de computador dos clones em seu aniversário de doze anos, ele vibrou muito, estava esperando fazia tempo. Logo depois houve uma exposição da série em Los Angeles, e eu o levei. Ele ficou maravilhado com a centena de itens que havia lá, tirou fotos de cada item, me explicando a ordem cronológica e importância daquele item para a série. Tiramos fotos com os personagens, em alguns cenários que foram especialmente remontados para a exposição, comemos cachorro quente em uma réplica da cantina do espaço-porto de Mos Eisley.
Lá estava uma pequena multidão em frente à grande sensação do dia. Um cartaz prometia:

Um pôster de divulgação da máquina caça-níqueis Star Wars - Jackpot inical de 500 mil Euros

Fui até o caixa, passei o cartão, peguei um balde cheio de fichas e retornei para a máquina de Guerra nas Estrelas. Voltando às máquinas, estavam todas ocupadas. Aguardei um tempo, então um rapaz vestindo uma camiseta verde, onde estava estampada uma frase chamativa, se virou, liberando a máquina. A frase me chamou a atenção: “Chekov não é um cara da Jornada nas Estrelas”. Puxei a alavanca e as figuras começaram a rodar à minha frente. Os personagens da série rodavam, rodavam, rodavam e, então, pararam, nenhum par, nenhuma figura igual à outra. Coloquei mais fichas e puxei a alavanca novamente, a máquina rodou mais alguns segundos então parou de uma vez, os três soldados imperiais olhando direto para minha cara. A máquina começou a piscar, então houve um clique e uma pequena porta se abriu no alto da máquina, um sabre de luz saiu de dentro da máquina, piscando, a famosa música de John Williams tocando, a Marcha Imperial a anunciar o prêmio. Em seguida as moedas começaram a tilintar rumo ao baldinho que logo apareceu, trazido pela funcionária do cassino.
— É seu dia de sorte, senhor Anderson, ganhou o grande prêmio de abertura! Parabéns!
A segurança do cassino apareceu, um oriental com óculos grossos, parou a máquina. Era muito dinheiro para ser retirado em fichas. O oriental retirou um bilhete da máquina e informou que meu prêmio estava disponível no caixa.
Compareci ao caixa no mesmo instante, peguei meu milhão de euros . Mulheres belíssimas me ofereceram lugares em uma mesa de pôquer, ao que recusei, dizendo que retornaria no dia seguinte.
Voltei milionário para o hotel, onde me deitei confortavelmente ao lado do dinheiro. Tomei os comprimidos e voltei a deitar. Como teríamos festejado, Susan, Josh e eu. A essa hora o quarto já estaria todo molhado de champanhe, o sonho de Susan realizado na máquina escolhida por Josh...
Comecei então a sentir uma tontura, a cabeça pesada, dificuldade para respirar, difícil pensar... Que pena eu não ter mais herdeiros, um milhão de euros! Meu jackpot de partida...   

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