478

478 é um conto vencedor. Ganhador do V Concurso de Contos Livrarias Curitiba, foi publicado na edição 57 da revista Ler & Cia (julho/agosto). Foi muito legal vê-lo nas páginas da revista, inclusive a personagem Arturo de Oliveira retratada pelo ilustrador Tiago Silva.

Um escritor lendo um livro e tomando café, ele coça a cabeça.

Arturo de Oliveira, escritor de uma série de livros policiais de sucesso, ligou para seu editor Walter Mariot, para saber o que ele achou do manuscrito de seu quarto livro:
W: Alô?
A: Oi, é o Arturo, tudo bem?
W: Tudo bem. Quando você vai me mandar o resto do manuscrito?
A: Não tem resto do manuscrito, acaba ali mesmo, na página 478.
W: Mas e o final da história? Você não acha que o leitor vai querer saber o que acontece com o investigador Orlando? E o seu arqui-inimigo? Alguém tem que parar com as atrocidades do vilão, ou não é isso?
A: Stephen King sempre quis escrever um livro sem final, mas se ele não pode escrever, eu posso...
W: Só se for com outro editor, meu amigo — interrompeu Walter, o tom de voz se elevando. Ah, vamos lá, não é a sério, pare com a avacalhação, por favor — continuou, num tom conciliatório, como quem sabe que é vítima de um chiste.
A: Esse quarto livro será um presente a meus leitores, chega de jornada do herói.
W: Jornada do herói vende.
A: Mas esse truque velho já está por demais manjado, caríssimo. Veja, o primeiro volume, Orlando e o mistério de Tlön, o investigador é conduzido à aventura em uma típica jornada do herói. No segundo volume, Orlando e os luminares da eternidade, levei à exaustão o método do Actor’s Studio de Nova Iorque, dois narradores, duas verdades, um leitor preso até o último parágrafo da última página para saber qual versão é verdadeira. O terceiro volume, Orlando na ilhota de Trindade, coloquei em ação o enigma clássico do assassinato no quarto fechado, um assassinato, vários suspeitos, todos presos numa ilha. E agora no quarto volume levo o leitor a um novo patamar, uma história que caminha para um clímax arrebatador e acaba abruptamente, sem rodeios e sem explicações: como um atleta que resolve parar no auge de sua carreira. É isso que falta nos romances policiais: ousadia, vigor vanguardista!
W: Olha, Arturo, nós temos um contrato, e iremos respeitá-lo, se você quer que seja assim... Vou encaminhar para a revisão.
A: Não se preocupe, vai ser a grande revolução da moderna literatura brasileira!
W: Ok.
***
Arturo e Walter só voltaram a se encontrar três meses depois, no lançamento do livro, em uma das lojas da Livrarias Curitiba. O autor pegou seu romance pela primeira vez, embevecido pela capa esmeradamente trabalhada. Achou o volume grosso como um Bolaño, seus números da sorte, 478. Abriu na última página para rever seus números amigos: 657. 657? Olhou para seu editor. Manteve o olhar. Fuzilou-o com o olhar. Walter pigarreou, e cochichou no ouvido de Arturo que um ghost writer terminou o serviço. O autor pegou o volume e procurou uma poltrona confortável, pediu um café para a mocinha e abriu o livro na página 478.
— O quê é isso, homem, vai ler agora? Logo os convidados vão chegar!
Ele pegou a xícara de café, adoçou, mexeu e tomou um gole de café:
— Peça pro seu ghost writer vir autografar, pois eu estou curioso para saber o final da história, afinal Orlando vai ou não vencer seu arqui-inimigo?

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