A Garota na Teia de Aranha, David Lagercrantz, tradução de Guilherme Braga e Fernanda Sarmatz Åkesson, 1ª Edição, São Paulo, 2015,472 páginas.
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A Garota na Teia de Aranha é um livro que nasceu de uma disputa pelos direitos de publicação do espólio do autor sueco Stieg Larsson. O quarto livro da série Millennium foi anunciado em dezembro de 2013 pela editora sueca Norstedts, escrito por David Lagercrantz, autor sueco que ficou conhecido por ser o biógrafo de Zlatan Ibrahimović, o famoso atacante do futebol. Lagercrantz começou sua colaboração para o universo de Larsson do zero, ignorando o manuscrito em poder de Eva, a viúva, porém contando com o apoio da editora de Larsson, que era profunda conhecedora da obra. No livro Stieg & Moi, escrito por Eva Gabrielsson e Marie Francois Colombani, o que a viúva deixou escapar sobre esse manuscrito que não foi usado é que o quarto livro iria se chamar Guds hämd, em português A Vingança de Deus, e começaria com Lisbeth Salander no gelado Canadá, atormentada por fantasmas de seu passado.
Claire Foy como Lisbeth Salander na adaptação cinematográfica do livro A Garota na Teia de Aranha |
O livro de Lagercrantz se inicia na América do Norte, mas não no Canadá, e sim nos Estados Unidos, seguindo a trajetória de alguns personagens que trabalham na NSA, a agência de espionagem norte-americana. O autor tentou ao máximo criar referências e horizontes para a trama, mantendo-se fiel, no entanto, ao espírito da obra. Para isso ele usa uma personagem que é citada muito superficialmente nos outros três volumes: Camilla, a irmã gêmea do mal de Lisbeth Salander.
Mikael Blomkvist recebe uma chamada misteriosa de uma fonte que promete lhe entregar um grande furo de reportagem, ao que ele responde:
“Se você me contar uma história longa demais e cheia de conspirações malucas, tentando me convencer de que Elvis está vivo ou que você sabe quem atirou em Olof Palme, eu volto imediatamente para casa” (posição 408).
Stieg Larsson entregou dez pastas ao serviço secreto sueco, de documentos que supostamente comprovavam que o primeiro-ministro Olof Palme, morto ao sair de um espetáculo, fora assassinado a mando do governo sul-africano. Olof era um crítico veemente do apartheid. Nesse trecho vemos uma homenagem velada ao autor.
O livro é uma aventura empolgante, temperada por revelações e passagens humoradas, que não reproduzirei aqui para não perder o frescor da primeira leitura.
Há alguns deslizes aqui e ali em relação à continuidade. Em uma passagem, por exemplo, vemos a afirmação de que Lisbeth Salander não tem um aparelho de som por não entender muito de música. Ora, Lisbeth participava até mesmo de uma banda de garotas, estava sempre com fones de ouvido, como não entendia de música? Outro ponto que chama a atenção é que a hacker evoluiu nos três primeiros livros da série, abandonando alguns pierciengs e muito de seu visual punk, ficando mais sociável e humana, e esse progresso parece ter sido apagado na versão Lagercrantz. Achei que a personagem estava levemente estereotipada, e sua genialidade foi visivelmente turbinada nesta nova aventura.
“Que o importante não é acreditarmos em Deus. Deus não é mesquinho. O importante é entendermos que a vida é coisa séria e repleta de oportunidades. Temos que saber apreciar essas qualidades que ela tem e tentar fazer do mundo um lugar melhor. Quem atinge o equilíbrio se encontra mais próximo de Deus.” (posição 3023).
A citação acima mostra que o tom mudou. As personagens de Larsson transpareciam uma total aversão à qualquer religiosidade, sendo que o fato da filha de Mikael ser cristã era um problema para o pai, como visto em Os Homens que não Amavam as Mulheres. Nesse livro, a tônica é outra, e há muito menos homossexualidade e críticas à religião instituída do que nos livros anteriores. É possível até mesmo encontrar lições de moral.
O livro é bem interessante, e fora os erros de continuidade comentados (que são poucos), é muito bom e no mesmo nível dos anteriores. Há algumas forçações de barra, mas Larsson também contava com uma boa dose de boa vontade dos leitores para com a progressão da trama. Afinal quem toma vários tiros, inclusive tiros na cabeça e sobrevive? Só a personagem do Bruce Willis no filme Corpo Fechado. A sensação que fica no último parágrafo é: quando vai sair o próximo?
Sobre o novo autor de Millennium
Lagercrantz cresceu nos principais círculos jornalísticos e intelectuais da Suécia. Ele é o filho do editor sueco e especialista em literatura Olof Lagercrantz e sua esposa Martina Ruin, filha do filósofo Hans Ruin. Ele cresceu em Solna e Drottningholm, perto de Estocolmo, juntamente com seus irmãos, entre eles a atriz e diplomata Marika Lagercrantz (a qual interpreta Cecília Vanger na adaptação cinematográfica sueca de Os Homens que não Amavam as Mulheres). A família é descendente de uma linha de família nobre Lagercrantz e, como tal, membro da Câmara Sueca de Nobreza. Através de sua avó paterna, e da linha sueca do clã Hamilton, ele também é um descendente da família do historiador do século dezenove e poeta Erik Gustaf Geijer.
Lagercrantz descreveu sua origem de alta classe como problemática e uma causa de antagonismo, em um ambiente literário e jornalístico dominado por escritores da esquerda radical no início de 1980 na Suécia, embora ele mesmo tenha determinadas posições políticas de esquerda. Como consequência, ele se retirou do debate intelectual e "esferas literárias de cultura" durante sua carreira jornalística. Lagercrantz é casado com a jornalista e gerente de notícias de rádio Anne Lagercrantz e tem três filhos. Ele é primo em primeiro grau do político e economista do Partido de Esquerda Johan Lönnroth.
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