Ultra Carnem, Cesar Bravo, 1ª edição, Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2016, 384 páginas.
O cenário de Ultra Carnem é o interior de São Paulo. Em cidadezinhas pequenas esquecidas por Deus o Diabo faz a festa!
Quanto
à parte gráfica, é um volume com a marca de excelência Darkside.
Capa dura, com um material meio emborrachado, e um design gráfico
atraente. Dizer mais é quebrar o elemento surpresa.
O
livro narra a trajetória de um artista cigano chamado Wladimir
Lester e de outros personagens que de uma maneira ou de outra acabam
tendo a vida miserável arruinada em virtude de entrar em contato com
as obras de arte malditas do artista, ou de alguma maneira interferir
na trajetória do personagem. A partir dessa premissa o autor cria no
romance quatro histórias que se fundem em uma conclusão dantesca.
Lester
Na
primeira parte do livro somos introduzidos à Lester, um pobre menino
órfão que é deixado em um orfanato da pequena cidade de Três
Rios, aos cuidados de um padre. O livro é muito bem escrito, a
leitura flui naturalmente e quando você menos espera está enredado
na trama macabra tecida meticulosamente, fio a fio. Essa parte parece
ter sido feita sob encomenda para os fãs de terror mais tradicional,
e apesar de atiçar a curiosidade, não é o ponto alto do livro.
Posso estar errado, mas acredito que essa parte foi escrita há mais
tempo do que as outras, pois utiliza fórmulas do terror clássicas.
Você nunca encontra o
que procura. O tempo come tudo, Nôa. Roupas, valores, devora
inclusive a esperança de nos entendermos com o passado. O que
aconteceu com o tal menino e com as outras pessoas deste livro é
algo que não pertence a nós.
A Tinta
Na
segunda parte do livro Bravo muda o tom e nos entrega sua literatura
mais madura, mais profissional e começa a surpreender. Aqui se vai o
tom de terror clássico e embarcamos em uma viagem de investigação
em busca do graal de Lester, uma tinta com poderes sobrenaturais.
Nesse ponto a narrativa ganha frescor e originalidade, imagine algo
como uma mistura de Charles Bukowski, Neil Gaiman e Stephen King.
Acompanhamos o artista detetive e sua namorada nessa busca pelas
estradas poeirentas do interior, de cidadezinha em cidadezinha, de boteco em boteco, de espelunca em espelunca. O meio-oeste (paulista)
é a terra onde o demônio dança ao som de Robert Johnson.
E
é aqui que eu gostaria de traçar um paralelo com a obra de Gaiman:
se você curtiu Deuses
Americanos,
considere Ultra Carnem como Demônios
Brasileiros.
Cesar consegue o efeito de suspensão da realidade de forma brilhante
ao trazer os demônios para nosso convívio, como Gaiman fez com os
deuses em sua obra.
Em
suas buscas pela tinta de Lester, Nôa percorre hospícios, onde é
citado o destino dos personagens da história presente na antologia
Além
da Carne, chamada
A
Expressão da Desgraça
(o melhor conto do autor, em minha opinião).
Quando
você termina a segunda parte achando que já está no ponto alto do
livro, a terceira parte entrega mais. Dessa vez o detetive não é
mais o personagem, mas o leitor, que é levado a pensar e juntar as
peças de um quebra-cabeças todo sujo de sangue e outros fluidos
duvidosos. A narrativa encontra o gore,
no melhor estilo splatterpunk.
O romancista Robert Bloch, autor de Psicose, criticou esse movimento
estabelecendo que “há uma distinção que deve ser feita entre o
que inspira terror e o que inspira náusea”. Dito isso, prepare seu
Dramin ou um saquinho. Mas não, esse horror grotesco não é
gratuito, ele surpreende e ajuda no andamento da narrativa, mais ou
menos como no filme Seven,
se você quiser um paralelo para entender a técnica.
Pagamento Cigano
Essa
parte da trama é uma reescrita do conto Pagamento
Cigano, que
integra a antologia de contos do autor Além
da Carne.
A
quarta parte é o grand
finale,
onde cada um recebe o que merece (ou não), e dizer mais do que isso
é provavelmente dar spoiler.
Basta
dizer que o romance é fechado com chave de ouro, todas as pontas
desse livro de quase quatrocentas páginas são amarradas, os caixões
fechados e as velas apagadas.
Ultra
Carnem é um livro imperdível para quem duvida da força da
literatura de gênero brasileira e que vale a leitura se você é fã
de terror ou não, pois a história toma proporções de uma saga de
fantasia urbana épica.
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