Tristessa


Li esse livro quando ele foi lançado na web, ao som de Acthung Baby do U2 e viajei por suas deliciosas páginas. O layout e a vibe de experimentação eram surpreendentes para a época, com um refinamento no design que combinavam perfeitamente com o texto daquele autor desconhecido (não estava claro na época, pelo menos não para mim, quem era o autor do texto). E era realmente incrível que o mundo todo não estivesse se rendendo àquela web-fiction maravilhosa.

Mulher sensual com batom vermelho em destaque



O Zeitgeist Pré-Web

 

Muitos anos depois, após escrever muitas histórias que evocavam aquele estilo que li embasbacado no nascimento da web no Brasil, encontrei aquele amálgama de hiperlinks em forma de romance no Clube de Autores. Comprei na hora e devorei a leitura. Ao lado de uma certa nostalgia, nessa segunda leitura foi mais fácil pegar as referências. Os personagens são de uma outra época, uma época que se foi, um zeitgeist que está morto. Para os leitores atuais o comportamento elitista dos personagens em relação à cultura pode parecer meio pedante, mas ao contrário do que possa parecer essa era a maior marca dos amantes das artes e cultura pré era do conhecimento.


Não havia um oráculo como o Google à disposição, ter algum nível de cultura naquele período demandava esforço pessoal (hoje também, mas é muito mais fácil de achar as informações). Antes dos hiperlinks nossas mentes navegavam pelas referências. Você pegava uma referência de um autor em outro, ou de uma banda na citação de outra banda, e tinha que procurar aquela banda que nunca ouvira falar, que se apresentava toda semana em Londres mas que apenas alguns eleitos no Brasil conheciam.
 
Antes da era da informação havia o garimpo da cultura. E quem encontrava uma pepita era tentado a olhar o mundo um pouco mais de cima. Quando o mundo começou a mudar com a internet, Tristessa foi talvez a última pepita que encontrei. Depois disso era só dar um Google e se perder na mediocridade do que se tornaria a web.
 
Banner estilizado com os dizeres Natasha's smart drugs internet café

 

A Obra

 
A descrição da obra vai muito além da orelha do livro, por isso recorro às palavras do próprio autor, Marco Antônio Pajola, para descrevê-la:

“Tristessa gira em torno de um personagem central, Thomas, suas relações com algumas mulheres, e sua experiência em dois campos artísticos – a fotografia, e a literatura. Thomas é um fotógrafo, que teve uma namorada marcante na adolescência, Fernanda, casou-se com Joana, e separou-se aos trinta e tantos anos, depois de ter um caso com a jovem Marcela. A certa altura da vida resolve escrever um livro baseado em suas experiências pessoais mas ele não é publicado, e alguns anos depois é transformado em um hipertexto e colocado na rede a pedido de Thomas a um misterioso The Passenger – assim, o texto que lemos na internet é um elemento da história, como ‘um livro sobre um escritor que escreve um livro‘.” (ANZUATEGUI, 2003)

Alargando um pouco mais a perspectiva, pode ser esta.

A obra é uma espécie de autobiografia disfarçada do fotógrafo Thomas G. Marasco, pretenso escritor com um currículo cheio de projetos abortados de roteiros de cinema, livros de poesia e livro de contos. Sua única realização nesse campo foi o romance Solidão dos Sobreviventes, cuja forma logo se revelou defasada com o surgimento da mídia digital e suas narrativas hipertextuais. Diante dessa frustração, Thomas mergulha no projeto de adaptar o livro para o ambiente digital, algo que ele vai fazendo aos poucos,liberando o acesso aos amigos que aparecem na trama. A história que vai sendo publicada na web é a mesma que os leitores têm acesso, fazendo com que a leitura avance na medida em que os fatos da vida de Thomas acontecem. Assim, observamos sua angústia em ter que criar sua história numa linguagem ainda incipiente, ao mesmo tempo em que ele se aventura após o fim do casamento com Joana, mergulhando em relacionamentos esporádicos com as personagens Roberta, Fernanda e Marcela.” (RAMOS, 2013)

Ou estreitando a perspectiva, jogando o foco nas relações afetivas de Thomas, pode ser esta.

“Apesar de Thomas estilhaçar sua vida e suas relações amorosas por todo o site, e de colocar o leitor numa situação flutuante, de procura pelos sentidos desses fragmentos, toda a narrativa obedece a um comando central, todas as páginas dizem respeito a um único leitmotiv, a reconstrução de sua biografia.

Thomas não só saltita de lugar em lugar, estando ora em São Paulo, ora em Paris, ora em Veneza, como também passa de corpo em corpo, numa busca contínua.

Numa troca constante de parceiras, ele encontra Roberta, Marcela, Joana, Paula, Fernanda, todas personagens portadoras apenas de nomes comuns, sem sobrenomes, o que aumenta a imprecisão.” (NEITZEL, 2002)

“Num estilo de “texto em camadas”, Thomas Marasco escreve um livro que, supostamente, é a vida do autor. A sua vida…

Uma justificação que se consolida na continuação da leitura de Tristessa. Aos poucos, apercebemo-nos que Solidão dos Sobreviventes, é o livro que Thomas Marasco havia escrito no formato de papel e que reformulou para um formato electrônico. Ganhou um novo nome, – Tristessa.” (MARRAFA, 2006)"

 

O Livro

 
 O livro com o compilado de parte dos hyperlinks disponibilizados na web está no Clube de Autores.

Sinopse



Era uma noite de verão em 1995, alguns meses antes da internet estar disponível no Brasil. Naqueles dias ainda não levávamos nos bolsos a nossa webvida e também não precisávamos nos logar para viver. Paula preparou uma pequena festa para me apresentar a outras seis pessoas.
Enquanto me distraio observando os movimentos do DJ na contraluz, Fernanda deixa a pista de dança, caminha em minha direção e se apresenta ao som de "Slave to Love".
A sua beleza, as palavras mágicas que dizia e o mistério que havia em seu olhar, deram-me a certeza de que aquela não seria uma noite qualquer. Havia em seus olhos um ponto de partida, uma viagem, eu só não fazia ideia para onde.
Máscara veneziana dourada sob fundo negro, com arabescos do lado direito e uma partitura musical estampada do lado esquerdo
E não fazia ideia também de que naquela mesma noite eu começaria a ser chamado por outro nome, passaria a caminhar por uma faixa labiríntica entre a ficção, o real e o virtual, e compartilharia com aquelas pessoas a informação sobre o anúncio de uma morte prometida.
Mas antes que eu pudesse esboçar qualquer reação Thomas chegou, se apresentou e me propôs um negócio: colocar um livro interativo na Web baseado em sua própria história - os personagens eram as outras pessoas que estavam na festa.
Demos uma olhada no conteúdo, conversamos muito rapidamente sobre os detalhes e fechamos o negócio. Ele me entregou um CD com os textos, disse que precisava ir embora e a festa continuou, sem ele.
No transcorrer do encontro, que foi até o amanhecer, conheci melhor as pessoas que Thomas já havia me apresentado enquanto falávamos sobre o livro. Marcela, sua namorada, Alex, seu grande amigo de infância, Joana, sua ex-mulher e Roberta, a produtora do livro.
Nessas conversas todos expuseram intimidades de sua convivência com Thomas, mais até do que um livro de ficção autobiográfica precisaria, e só então me dei conta que havia sido convidado para a festa porque aqueles personagens passariam a fazer parte da minha vida.
Com o início da internet o projeto se concretizou e foi bem sucedido junto aos leitores e também muito divulgado pela mídia impressa e mais ainda pelos trabalhos que surgiram nos meios acadêmicos, de pós-graduação e doutorado na área de literatura.
Mas em dezembro de 1999, quando o último capítulo foi disponibilizado na Web, um dos personagens desapareceu, o que inevitavelmente remeteu à morte anunciada.
Esta história é verdadeira. O livro original você pode ler em www.quattro.com.br/tristessa.
Esse desaparecimento ainda não foi desvendado até hoje. 
 
Capa do Livro Tristessa - A foto da capa mostra lábios carnudos com sequências binárias de zeros e uns sobrepondo-se em cinza claro e uma frase no rodapé "e-mail me""

 
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